A aula de Todorov


Em A literatura em perigo (Difel), o búlgaro-francês Tzvetan Todorov faz uma reivindicação simples: é preciso ensinar mais a literatura e menos os estudos literários. Quer dizer, os professores precisam estar mais atentos aos sentidos da obra e menos às estruturas literárias, digamos, internas. Analisando a situação na França, Todorov lamenta o atual estado do ensino da literatura nas escolas, que valoriza concepções formalistas. Ele prega uma volta ao "conteúdo". Vindo de um dos principais artífices do estruturalismo, é de se aplaudir. No Brasil, salvo engano, precisaríamos de uma boa enxurrada teórica para diminuir a ânsia pela "mensagem".

O ensaio de Todorov é de uma clareza estonteante. Logo no início, conta a história de como começou a se interessar pela forma. Na Bulgária comunista, a ideologia oficial se impunha. "Como falar de literatura sem ter de me curvar às exigências da ideologia dominante?" Decidiu tratar de "objetos sem cerne ideológico". Já na França, "meu amor pela literatura não se via mais limitado à educação recebida em meu país totalitário". Todorov se abriu para novas abordagens da literatura, percebendo que ela "não nasce no vazio".

O crítico traça um histórico da produção e da percepção da literatura e das artes em geral – de seu papel utilitário à autonomia, com o surgimento do valor estético. Seu principal objetivo é mostrar a necessidade de trazer a literatura de volta ao "mundo no qual ela vive". Só assim, acredita Todorov, ela tem alguma chance de interessar às pessoas, de continuar a ser lida, de permanecer no imaginário, de viver por muito tempo. Os métodos são necessários, mas sozinhos não dizem nada, não significam nada.

A literatura está em perigo quando condicionada pedagogicamente a "uma visão formalista, ou niilista, ou solipsista". Não há por que transformar o estudante em especialista em análise literária. A literatura lhe serve como meio para se tornar um "conhecedor do ser humano", diz Todorov, que diagnostica um momento e se dispõe à utopia.

No prefácio, Caio Meira lembra o desprestígio da literatura entre os jovens, em relação, por exemplo, ao cinema e à música. Na orelha, Jorge Coli recorda o filme Fahrenheit 451, em que o francês François Truffaut "expõe o amor aos livros e reclama o direito ao prazer da leitura". Todorov, contudo, passa por cima do mundo midiático, como se ele não existisse ou não tivesse a relevância cultural que tem. A literatura vive nesse mundo e, muito por conta dele, se vê ameaçada. Ignorar os mass media na análise do papel da literatura hoje é falha imperdoável, uma volta à questionada autonomia e uma maneira de enxergar apenas uma parte do problema. O perigo está na escola, mas também alhures, mais próximo e íntimo do que imaginamos e refletimos.


Fonte: Pensar, Correio Braziliense, 14.03.2009

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