Noturno nos molhes
Nicolás Guillén
Sob a noite tropical, o porto quieto.
A água lambe a inocente orla
e o farol golpeia o paredão deserto.
Que calma tão profunda e tão simplória!
Porém sobre os molhes solitários
flutua uma visagem tormentória.
Pena de cemitérios e de ossários,
que ensina em quadros-negros tenebrosos
como um mesmo penar se parte em vários.
É que aqui ficam os gritos silenciosos
e o suor feito vidro; as desmedidas
horas de muitos homens musculosos
e fracos, tolhidos pelas bridas
feito potros. As vontades sob freio,
e sem vendas, as pálidas feridas.
A grande quietude se agita. Neste seio
de paz se move e anda um grupo enorme
que come seu pão untado de veneno.
Eles dormem agora nesse informe
leito, sem descansar. Se sonham, quase
explode aqui o espírito inconforme
que na dura aurora tragará seu cálice
de sangue diário no barraco escuro,
e a um rígido ritmo ajustará o passo.
Oh punho forte, elementar e duro!
Quem te manieta o aceno aberto?
Ninguém responde nesse porto incerto.
O farol grita sobre o mar escuro.
Tradução de Luiz Roberto Guedes
Comentários