Um trecho de Anantha*
Recordei-me, nem sei por que, e contei para ela — precisava testá-la, conhecer dela a madureza, o caráter — a história de um amigo de infância, o Edson. Era filho de um casal de pretos pobres. O pai, pedreiro; a mãe, lavadora de roupas. Moravam a poucas casas da nossa, lá em Barreiras. Adorava ler gibis. Três anos mais velho que eu, mas o desenvolvimento intelectual retardara. Uma vez, estávamos nas estripulias no fundo do quintal. Cavávamos um buraco para tentar pular do balanço dentro dele, em cima de almofadas que, estrategicamente enfiadas na garganta da cavidade, amortecer-nos-ia a queda. Acreditávamos piamente em nossa engenharia, a abertura alcançaria mais de três metros. O balanço amarrado no pescoço da goiabeira envergada (estranha árvore, de frutos vermelhos povoados de bichos alvos, e torta: fora palco de meus testes no aprender a arte de trepar goiabeiras, coqueiros, frondosos pés de juá e mesmo arredios laranjais). Contudo, demoramos cerca de duas longas horas, debaixo do estúpido sol baiano, no revolver com a enxada enferrujada meio metro da terra vermelha. Suado, chamei-o para almoçar, pois minha avó gritara lá do alpendre que a comida esfriava na mesa. Ele fez que não com a cabeça, envergonhado. Insisti. Disse que me esperaria, que eu fosse. Pois fui, com a fome reluzente e gritante dos dez anos; almocei, refestelei-me na cadeira de tiras plásticas e lá fiquei lendo um Recruta Zero emprestado. Leia mais aqui...
* publicada em 2004, na revista eletrônica PD-Literatura.
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