Luanda


Enfim passei na livraria Café com Letras, para buscar Os Cus de Judas. Já estava com receio de a Luíza Neiva, livreira e amiga, reclamar. Fiz a reserva do livro há quase um mês. Chegou há três semanas. Busquei ontem.
Assim António Lobo Antunes (um monstro literário, por certo!) introduz o capítulo C:

"Luanda começou por ser um pobre cais sem majestade cujos armazéns ondulavam na humidade e no calor. A água assemelhava-se a creme solar turvo a luzir sobre a pele suja e velha que cordas podres sulcavam de veias ao acaso. Negros desfocados no excesso de claridade trémula acocoravam-se em pequenos grupos, observando-nos com as distracção intemporal, ao mesmo tempo aguda e cega, que se encontra nas fotografias que mostram os olhos voltados para dentro de John Coltrane quando sopra no saxofone sua doce amargura de anjo bêbedo, e eu imaginava adiante dos beiços grossos de cada um daqueles homens um trompete invisível, pronto a subir verticalmente no ar denso como as cordas dos faquires. Pássaros brancos e magros dissolviam-se nas palmeiras da baía ou nas casas de madeira da Ilha ao longe, submersas de arbustos e de insectos, nas quais putas cansadas por todos os homens sem ternura de Lisboa ali vinham beber os últimos champanhes de gasosa, à maneira de baleias agonizantes ancoradas numa praia final, movendo de tempos a tempos as ancas ao ritmo de pasodoble de uma angústia indecifrável. (...)"

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