Machado de Assis e Fellini


Tinha luz própria. Explorava sozinha a calmaria e a zoada alheias. Em meus sonhos, estávamos no Cine Academia, em Brasília, inebriados de Kurosawa e Kiarostami, ou no Jardim Botânico, explorando pétalas exóticas. Que alegria ver os joões-de-barro serelepes, após a chuva nova. Eita! cheirinho bom de chuva, e tome sorriso e dentes alvos de Anantha, e o perfume de sua pele, e o olhar penetrante, meigo, forte, perigoso! Jamais compreendi como Machado pôde criar para Bentinho uma Capitu tão dissimulada, a ponto de os cabelos dela, ele de costas, o apunhalarem, ela querendo tocar-lhe as mãos, mas Machado não nos diz da vontade dela, e Bentinho pouco depois ganha o beijo tão esperado por nós, que, ávidos, avançávamos cada linha, cada parágrafo, cada folha, ansiosos pelo encontro de Bentinho com Capitu. Isso Anantha disse-me ter pressentido: a mágica do ósculo, a poesia do doce encontro diante do velho espelho que tudo testemunhou. Fellini, infelizmente, não gravou o episódio; poderia exibir a película em bibliotecas imaginárias, nos séculos vindouros, ocasião em que Borges criaria tigres e descreveria vôos de borboletas latinas, após exaustivos colóquios com o Bruxo do Cosme Velho - decerto dúvidas acerca da construção das Memórias Póstumas seriam incansavelmente sanadas.

Leia mais na revista literária Germina Literatura.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como a madrugada produz incêndios!

FUNDAMENTAL: Chomsky debulha a manipulação dos meios

Auroras