Palavras de Wolf


Quem será que Virginia Wolf (a incomparável escritora cuja foto encima Quase hai) lembra?

"No meio da noite, um grito dilacerante rompeu o silêncio; depois, ouviu-se como que um vozear, a seguir um silêncio de morte dominou tudo. O que pude divisar, da minha janela, foi uma haste do lilás do jardim, pendendo imóvel sobre a estrada. Era ainda noite escura. Não havia luar. O grito emprestara às coisas um aspecto singular. Quem gritara? Por que gritara ela? Tratava-se de uma voz de mulher, quase inexpressiva, quase assexuada, pela violência da emoção.

Dir-se-ia a natureza humana gritando contra qualquer inexplicável iniquidade, contra qualquer indescritível horror. Seguiu-se ao grito um silêncio de morte. As estrelas cintilavam nítidas, serenas, os campos dormiam tranqüilos e as árvores continuavam imóveis; no entanto, por toda a parte se espalhara um sentimento de culpa, todas as coisas se sentiam responsáveis por não sei que tremendo crime. Tinha-se a sensação de que era imprescindível tentar qualquer coisa. Devia, forçosamente, aparecer alguma luz agitando-se, movendo-se, inquieta, numa e noutra direção. Alguém devia aparecer correndo pela estrada. As janelas da casinha curva do caminho iluminar-se-iam e então talvez um outro grito se fizesse ouvir menos desesperado, no entanto, já não inarticulado e repleto de tão indescritível horror.

Contudo, nenhuma luz apareceu, nenhum rumor de passo se ouviu, e não houve segundo grito. O primeiro extinguira-se, desapareceram dele os derradeiros ecos, e seguiu-se-lhe um silêncio mortal.

Deitada no escuro do quarto, inutilmente eu escutava. Fora uma voz apenas. Uma voz sem sentido. Não era possível imaginar qualquer quadro que com esse grito tivesse relação e que pudesse ajudar a interpretá-la ou a torná-lo inteligível. A manhã começava a romper quando avistei uma forma humana, meio diluída em treva, indefinida, informe, erguendo em vão um braço gigantesco contra qualquer intransponível iniquidade."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como a madrugada produz incêndios!

FUNDAMENTAL: Chomsky debulha a manipulação dos meios

Auroras