Raduan I

Sétimo filho de imigrantes libaneses, numa família de dez irmãos, Raduan Nassar - que deixou o curso de Direito para se formar em Filosofia - fez sua estréia na literatura em 1975, com o romance Lavoura arcaica. Uma versão transgressiva da bíblica parábola do filho pródigo, o livro expunha aos leitores uma sofisticada prosa poética de rara força e densidade, que mesclava o lírico e o trágico num drama de contestação familiar. Três anos depois, o escritor lançou a novela Um copo de cólera, fervilhante narrativa de um confronto verbal entre amantes, em que a fúria das palavras cortantes se estilhaçava no ar. O embate conjugal ecoava o autoritário discurso do poder e da submissão de um Brasil que vivia sob o jugo da ditadura militar. Através destas duas criações impactantes, Nassar foi descoberto e elogiado pela crítica, que ressaltou o estilo seguro - enxuto e singular -, burilado com paixão por um autor estreante que surgia como o senhor absoluto de sua linguagem.

Em 1984, consagrado no Brasil e já traduzido na França e na Espanha, o escritor comprou a fazenda Lagoa do Sino, perto da cidade de Buri, a 250 quilômetros de São Paulo, e passou a se dedicar ao cultivo de arroz, milho e feijão. Espantou a todos, logo em seguida, ao anunciar que iria parar de escrever. "Estou dando uma virada radical na minha vida e começo a me perguntar como é que pude entrar por esse cano da literatura. Minha cabeça fervilha com outras coisas, ando às voltas com agricultura e pecuária, procurando me enfronhar sobre tratores e implementos. Tudo isso que nada tem a ver com o pasto das idéias", declarou na época, em um de seus raros depoimentos. "Em termos estruturais, não considero o processo de invenção da literatura diferente do processo de invenção em outros campos da atividade humana. Já disse que qualquer indivíduo, a menos que seja bloqueado pelas condições de vida, é capaz de inventar, que inventar não é exclusivo de uns poucos", justificou em 1992. Alfinetou ainda os que lhe exigiam mais linhas em novas produções. "Não existem só os pedantes que se perdem num cipoal de palavras para dizer ninharias, existem também orelhas prolixas, sempre dispostas a ouvir as maiores lorotas."

Fonte: Revista Istoé, 9.7.97

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