Uma navegada e....


Claro que há inteligência no Orkut.
Nas comunidades.
Pérolas que li há pouco (depois organizo, se me permitem os amigos leitores, a meia dúzia que, eventualmente, ancoram, cá em Quase Hai, como diria o M.A.):

DESENCONTRÁRIOS

Paulo Leminski

Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

HAROLDO DE CAMPOS

fragmento

e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso
e aqui me meço quando se vive sob a espécie de viagem o que importa
não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo a escrever
mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura por isso
recomeço por isso arremeço por isso teço escrever sobre escrever é
o futuro do escrever sobrescrevo sobrescravo em milumanoites miluma-
páginas ou ma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas

ENZONE

Ezra Pound

Será que as aceitarão?
(i.é., estas canções).
como tímida fêmea perseguida por centauros
(ou por centuriões),
Elas já vão fugindo, urrando de terror.
Ficarão comovidos pelas verossimilitudes?
Sua estupidez é virgem, é inviolável.
Eu vos imploro, meus críticos amistosos,
Não saiais por aí procurando-me um público.
Deito-me com quem é livre em cima dos penhascos;
os recessos ocultos
Já têm ouvido o eco de meus calcanhares
na frescura da luz
e na escuridão.

(tradução de Mário Faustino)

POESIA

Sophia de Mello Breyner

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.
Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,
Mas por tudo de quanto ressonei
E em cujo amor de amor me eternizei.


SYLVIA PLATH

Os anos
Entram como animais vindos
Do espaço de azevinho onde os espinhos
Não são os pensamentos que eu ateio, como um praticante de Ioga,
Mas apenas, o verde, pura escuridão
Nela gelam e são.
Ó meu Deus, não sou como tu
Na tua vaga obscuridade,
As estrelas coladas por todo o lado, estúpidos confeitos brilhantes.
A eternidade aborrece-me,
Eu nunca a quis.
Do que eu gosto
E do pistão em movimento -
A minha alma morre só de o ver.
E os cascos dos cavalos,
Esse desapiedado ruído de cascos no chão.
E tu, Estase maior -
O que há de importante nisso?
Será um tigre este ano, este rugido ao pé da porta?
É o de um Christius,
O terrível
Freio de Deus nele
Morto por voar e acabar assim?
As bagas do sangue são elas mesmas, estão muito quietas.
Os cascos não vão ter,
Na distância do azul, os pistões assobiam.

Tradução de Maria Fernanda Borges

J. L. BORGES

extrato

"[...]O tempo ensinou-me algumas astúcias: evitar os sinônimos, que têm a desvantagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos, argentinismos, arcaísmos e neologismos; preferir as palavras habituais às palavras assombrosas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos agora pelo leitor; simular pequenas incertezas, já que, se a realidade é precisa, a memória não o é; narrar os fatos (isso aprendi em Kipling e nas sagas da Islândia) como se não os entendesse totalmente; lembrar que as normas anteriores não são obrigações e que o tempo se encarregará de aboli-las [...]".

(Trecho retirado do prólogo da obra Elogio da sombra, com tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques)

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