Transformação da linguagem


“O poeta moderno, que devolveu a linguagem literária à sua condição prosaica, realiza a poesia pela transformação dessa linguagem em linguagem poética. Na concepção da nova poesia, o que há de fundamental e permanente é a linguagem mesma - a língua - que será, neste momento, poética e, naquele outro, prosaica. Essa alternância se dá no âmbito mesmo do poema, já que em nenhum poema todos os elementos da linguagem se transformam em ‘poesia’, se consomem nela: a base da expressão são as relações conectivas, sintáticas, gramaticais, sem as quais não existe a linguagem verbal. Essas relações implicam um discurso, um tema. A poesia que aflora nesse discurso é produto de um processo complexo de que participam todos os elementos do poema. A falsa compreensão desse fenômeno é que gerou a superstição da poesia pura - de que o concretismo, que deveria se chamar de fato abstracionismo, foi o mais recente exemplo - que não é mais do que a tentativa de eliminar do poema os elementos ‘prosaicos’, de construí-lo apenas com os elementos ‘poéticos’. Ora, não existem elementos poéticos em si mesmos, como não existem palavras por si mesmas poéticas. Todos os elementos da língua são e não são poéticos, dependendo da função específica que exerçam dentro de determinado contexto verbal. Noutras palavras: é o processo de elaboração da linguagem pelo poeta que transfigura os elementos verbais e faz com que neles aflore a intensidade da expressão poética. Pretender realizar um poema constituído apenas de elementos poéticos implica eliminar o processo dialético que promove a transfiguração das palavras. [...] Como observou Chklovski, ‘a arte é um meio para se sentir a transformação do objeto; o que já está transformado não tem interesse para a arte’. Por isso entendo que o poema é o lugar onde a transformação se dá”.
(Ferreira Gullar, Corpo a corpo com a linguagem, artigo publicado em 1999)

Comentários

Flavia disse…
Não está meio adiantado esse post?
Lafaiete Luiz disse…
Um passo da luta. Combater o vil metal com palavras. Com música e versos. Celebrar o Poema, desde já e sempre.

Postagens mais visitadas deste blog

Como a madrugada produz incêndios!

FUNDAMENTAL: Chomsky debulha a manipulação dos meios

Auroras