Que "espetacularização", cara pálida?


Marcos Coimbra

Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
marcos.coimbra@correioweb.com.br



Os Recentes Espetáculos

"O ministro estava certo: tudo era mesmo um espetáculo, as prisões e o modo como foram realizadas"

No meio da agitada semana que vivemos, com as idas e vindas de Daniel Dantas, Naji Nahas e outros, de casa para a cadeia e para fora, uma palavra esteve em discussão o tempo todo. Quem a lançou ao debate foi o ministro Gilmar Mendes quando, referindo-se à primeira prisão dos citados, chamou de "espetacularização" o modo como a Polícia Federal a efetuou e permitiu que fosse divulgada.

Nossos dicionários mais conhecidos não a registram. Nem o Aurélio, nem o Houaiss trazem sua definição, o que não impede que venha sendo usada com freqüência de uns anos para cá. Quase sempre, é empregada com uma conotação negativa, como se o ato de fazer de algo um "espetáculo" fosse reprovável.

Quem mais a usa são aqueles que reclamam do tratamento que algum acontecimento ou pessoa recebeu da mídia, especialmente dos meios de comunicação de massa. Poucos a utilizam para descrever o que fazem os jornais, como se entendessem que, neles, não se produzem espetáculos, pelo menos, bons espetáculos.

De que será que o ministro reclamou, quando se utilizou da palavra? Em um primeiro momento, parecia que era do modo como aconteceram as prisões, com cobertura televisiva, uso de algemas, etc. Ou seja, ele não achava que havia problemas com as prisões, em si, apenas com o fato delas terem sido realizadas nas condições que foram.

Como, no entanto, nas horas seguintes, concedeu os habeas corpus que a defesa dos investigados requereu, libertando parte e depois a todos, pareceu que o que criticara, chamando de espetacularização, não se limitava à divulgação, mas incluía as prisões. Ao acolher os pedidos, deixou claro que as considerava desnecessárias. Daí, seriam simples "espetáculos".

O ministro estava certo: tudo era mesmo um espetáculo, as prisões e o modo como foram realizadas. Desde o detalhe de avisar com antecedência a TV Globo, para maximizar a cobertura da principal emissora de televisão do país (garantindo, em troca da exclusividade, espaço maior em seus noticiários), até as ações rocambolescas de saltar muros para entrar na casa de Nahas (devidamente filmadas), a Polícia Federal queria um "espetáculo". E o obteve.

Isso é errado? Em que esse espetáculo é negativo para nossa cultura cívica e nossa democracia? Ou será positivo, sinalizando coisas que fazem bem a elas?

A premissa de quem faz a crítica da "espetacularização" é que ela é uma distorção, um equívoco, algo que pode (e deve) ser evitado. Em outras palavras, que existe uma instância onde prevalece o "não-espetáculo", um real "puro", não contaminado pelo desejo de ser visto, ser consumido como imagem.

Essa não é a verdade das instituições da sociedade contemporânea, dentre elas, por exemplo, nosso Poder Judiciário. Ou alguém não percebeu quanto a maioria dos juízes de nossa mais alta Corte ficam felizes quando são o centro do "espetáculo"? Quanto gostam de ser capa de revista, quanto se alegram de contar suas intimidades, seus gostos musicais, seus hábitos de lazer, seus passeios de motocicleta, seus times do coração?

Na véspera dos acontecimentos de maio de 1968, cujos 40 anos comemoramos atualmente, foi publicado na França um livro que ainda tem muito a nos dizer. Em sua A Sociedade do Espetáculo, de 1967, Guy Debord propôs uma discussão sobre como funcionam as sociedades modernas e seu imaginário, centrada no conceito de espetáculo.

Tantos anos depois, temos motivos para dar razão a ele. Daniel Dantas não é um personagem de um espetáculo que ele próprio escreveu? Naji Nahas? Celso Pitta? Quando os prendeu, a Polícia Federal, por meio de seus "heróis", não buscou o "espetáculo" das prisões como forma de justiça? A toga do juiz que os soltou não se parece com o figurino dos atores?

Como dizia Debord: "O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens".

Fonte: Correio Braziliense, 13.07.08


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como a madrugada produz incêndios!

Auroras

FUNDAMENTAL: Chomsky debulha a manipulação dos meios