Resposta a Mino Carta


Prezado Mino Carta,

Os escritores russos são mesmo extraordinários. A idéia de uma grande mãe russa, que adentraria, com sua força moral e espiritual, castelos, cantões, cidades e províncias da Europa - essa idéia foi que, considero, engendrou toda as variegadas inventividades na caleidoscópica literatura eslava (segundo Houais: o termo eslavo reúne o povo russo, o bielo-russo, ucraniano - ramo oriental - , búlgaro, tcheco, eslovaco, polonês etc.).

O genial Otto Maria Carpeaux (Otto Karpfen, de nascimento), austríaco, que, diante da escalada nazista, fugiu para o Brasil, em 1939, diz de FMD, em prefácio a Humilhados e Ofendidos, escrito no Rio, em agosto de 1946 (passo a digitar, pois meu original é peça rara, de 1954, não adianta escanear):

"Dostoievski, no seu Diário de um Escritor, onde fala na primeira pessoa, revela-se como inimigo apaixonado do catolicismo romano que lhe parece a perversão do cristianismo primitivo pela influência do espírito romano e da incredulidade ocidental. Por isso a, parábola é interpretada [nos “Irmãos Karamakov”], as mais das vezes, como acusação contra a Igreja Católica Romana: os seus representantes - os papas, os inquisidores, os jesuítas - teriam perdido a fé na eficiência da verdadeira doutrina do Cristo, e, por isso, teriam transformado a Igreja espiritual em organização estatal conforme o direito romano; assumindo eles pessoalmente todas as responsabilidades perante Deus (cuja existência não lhes parece muito certa) teriam descarregado dessas responsabilidades as consciências dos fieis leigos,considerados fracos demais par suportar a verdadeira doutrina, oferecendo-lhes porém felicidades terrestres em vez da redenção celeste; deste modo, teriam sucumbido à tentação(...), que o Cristo rejeitou, à tentação de transubstanciar em pão as pedras; e, por prestarem esse serviço (...) à humanidade, ter-se-iam arrogado os privilégios duma elite, com poderes absolutos sobre as consciências e, se possível, sobre os corpos dos seus pupilos.

(....)

Dostoievski foi, durante a vida toda, perseguido pelo problema do ateísmo. Raskolnikov não acredita em Deus - e logo realiza o sonho que mais tarde o Kirilov dos Demônios explicará: transformar-se a si mesmo em Deus, quer dizer, em super-homem, "legibus solutus", acima da lei moral; e o velho caos volta. (...) O povo russo, segundo Dostoievski, tem uma missão divina: cabe-lhe a tarefa de transformar o Estado profano em Igreja espiritual, para redimir, assim, o mundo inteiro. Mas o povo russo está cheio de tentações enormes, de paixões violentas, e para justificá-las, o Ocidente europeu ofereceu-lhe a sua ciência pagã, “euclidiana”, com a conclusão final do ateísmo. Eis o perigo que Dostoievski pretendeu combater por meio da sua obra literária.”

Creio que, para conhecer melhor a obra gigantesca de FMD, necessário ler a megabiografia de Joseph Frank, em cinco volumes, todos publicados no Brasil pela Edusp. Com Dostoiévski: O Manto do Profeta (1871-1881) completa-se um ciclo que se iniciou nos EUA em 1976 (ano de publicação do primeiro volume pela Princeton University Press) e teve sua contrapartida brasileira inaugurada pela Edusp em 1999, quando aqui saiu em português Dostoiévski: As Sementes da Revolta (1821-1849). Seguiram-se Dostoiévski: Os Anos de Provação (1850-1859), Dostoiévski: Os Efeitos da Libertação (1860-1865) e Dostoiévski: O Anos Milagrosos (1865-1871) – fruto de um trabalho de pesquisas e de um mergulho no universo cultural russo que começou muito antes e que renderia ainda o volume Pelo Prisma Russo – Ensaios sobre Literatura e Cultura, lançado pela Edusp em 1992.

Por fim, dos russos citados por você, no blog, li Tostoi, Gogol, Tchekov e um pouco de Gorki. Conheço mais os poetas contemporâneos, como Ossip Mandelshtam, Marina Tsvietáieva, Pasternak, Iessiênin e Khliébnikov.

Obrigado pela gentil resposta em seu bem-vindo novo blog!

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