Virginia e Clarice
Uma verdade deve ser dita: Clarice Lispetor copiou Virginia Woolf, totalmente!
Alguns trechos da genial escritora, especialista no tal fluxo de consciência:
"Em todos esses séculos, as mulheres têm servido de espelhos dotados do mágico e delicioso poder de refletir a figura do homem com o dobro de seu tamanho natural. Sem esse poder, a Terra provavelmente seria pântano e selva...Eis porque tanto Napoleão quanto Mussolini insistem tão enfaticamente na inferioridade das mulheres, pois, não fossem elas inferiores, eles deixariam de engrandecer-se."
Virginia Woolf
Um teto todo seu
"Então, com um brusco manejo da tesoura ela cortou o ramalhete de clematite, que caiu no chão. Ao cair, trouxe junto sem dúvida um pouco de luz também, permitindo penetrar ainda mais em sua vida e pessoa. Ternura e remorso enchiam-lhe a essa altura o espírito... Podar um ramo que crescera demais a entristecia, porque nele houvera vida e a vida lhe era cara. Sim e, ao mesmo tempo, a queda do ramo sugeria
que ela também haveria de morrer, que tudo era futilidade e evanescência das coisas."
Virginia Woolf
A dama no espelho
Se eu pudesse acreditar que envelhecerei na busca e na mudança - disse Rhoda -, estaria livre do meu medo: nada persiste. Um momento não leva a outro. A porta abre e o tigre salta. Vocês não me viram chegar. Circulei em torno das cadeiras para evitar o horror do salto. Tenho medo de todos vocês. Tenho medo do choque da sensação que salta sobre mim porque não posso lidar com ela como vocês - não posso fazer um momento fundir-se no outro. Para mim são todos violentos; todos apartados; e se eu cair ao impacto do salto do momento, vocês estarão sobre mim, fazendo-me em pedaços. Não tenho um fim em vista. Não sei como correr de minuto a minuto, hora a hora, dissolvendo-os por uma força natural até que formem a massa inteira e indivisível que vocês chamam vida. Porque vocês têm um fim em vista - é uma pessoa ao lado de quem sentar, é uma idéia, é a beleza? Não sei - seus dias e horas passam assim como a ramaria de árvores e o macio verde da floresta para um cão disparando atrás de um faro. Mas não há um só odor, um só corpo que eu possa seguir. E não tenho rosto. Sou como a espuma que corre pela praia ou o luar que despenca como uma seta sobre uma vasilha de estanho, sobre uma espiga de azevim-do-mar, sobre um osso ou um barco meio carcomido. Sou levada em redemoinhos por cavernas, adejo como papel por corredores intermináveis, preciso comprimir minha mão na parede para me conter.- Mas, como acima de tudo desejo abrigo, finjo ter um fim em vista, quando subo lentamente as escadas atrás de Jinny e Susan. Puxo minhas meias tal como as vejo puxarem as suas. Espero que falem, depois falo da mesma maneira. Sou impelida através de Londres para determinado ponto, determinado lugar, não para ver você, nem você, mas para acender meu fogo no incêndio geral de vocês, que vivem inteiros, indivisíveis, sem se importar.
WOOLF, Virginia. As Ondas. Tradução de Lya Luft. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2004, pág 97 e 98.
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