L2 - Literatura & Leituras
Sérgio de Sá
"Não é função do escritor explicar o que escreve ou organizar excursões, como um guia turístico, através da região mais difícil de sua obra" Ernest Hemingway (1899-1961), escritor norte-americano |
Poemas que dançam O próximo livro da poeta Cristina Bastos tem o provisório título de Verso bailarino. Fora de grupos, outsider natural, Cristina escreve ao sabor dos dias. "Gosto mesmo é de versejar", diz ela. "Esse é meu ofício. Com alegria e respeito, trato meu trabalho de poeta andarilha... ainda que na toca." Cristina conta o saber dos dias para fazer 50 anos, assim como a cidade que habita. Os poemas vão ficando prontos (já são 200). São versos de existência simples, mas de releitura sempre incorporadora. Experimentar voltar sobre o efeito é correr o risco de encontrar o próprio corpo embalado em dúvida, disposto a compartilhar a ocupação do espaço (sideral). A coluna festeja a nova produção. E antecipa seis poemas saídos da ponta de um lápis tranquilamente pontiagudo, da safra nada sôfrega da autora de Decerto deserto (1992) e Veia (2002): 1 Hoje vi a lua imensa não havia ontem Agora não há lua imenso é o céu negro já, escrevo e aqui quem está? 2 Não me persigo em nenhum canto Tudo transmuta em segundos Sou tonta se me busco Sou onde estou girando com o mundo 3 medito a parede nua revela o que não encarei 4 Se fosse tudo que sei o que sei não escreveria, ser me bastaria 5 Se o vazio é meu tema não há por que temer falta de assunto, há um mundo no vazio que teço sem tantos termos ditos 6 Grandes elefantes! Sabem quando deitar seus ossos do ofício |
Figura poética Há 50 anos, o crítico literário Roberto Schwarz publicou um livro de poesia: Pássaro na gaveta. Saiu pela pequena e brava editora Massao Ohno, com capa de Fernando Odriozola e desenhos de Lourival Gomes Machado, Mario Neme e Sergio Milliet. A produção poética continuaria em Corações veteranos, de 1974. Reproduzo o mais curto dos textos, um dos dois poemas do livro de estreia intitulados "Figuração": Não te explico. Te figuro: para além do pejo na fronteira de desejo e sol ave num só pé a bailarina desapareceu na graça grave do castiçal Garça e castiçal será preciso dizer mais? |
O homem deslocado Leio com entusiasmo "O texto tatuado", o capítulo do romance da série Amores Expressos que Sérgio Sant´Anna escreve para a Companhia das Letras. Foi publicado no número 4 da revista Granta. Além de anunciar que vem coisa boa por isso, faz pensar no conto A mulher-cobra, publicado no livro A senhorita Simpson, de 1989. Se antes o personagem-escritor estava em Bruxelas, na Bélgica, ele agora vai ao encontro da, vamos dizer assim, mulher-texto, a mulher-Kafka, em Praga, na República Tcheca. Ambas tatuadas (textos e imagens), ambas espetáculo diante do qual se senta para admirar, ambas objeto de desejo, ambas encantam os olhos do espectador deslocado, em viagem de reconhecimento. Uma diferença básica é a presença acachapante da metalinguagem no conto e mais a dúvida da autoria no trecho do romance. Sempre Sérgio Sant'Anna (ou Serge) no controle conceitual, muitas vezes autorreflexivo, muitas vezes solto na rédea narrativa. |
Mínimas |
Fonte: Correio Braziliense, 20.06.09
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