A flor azul: flores (de novo no blog)

“a gente chora por que finda a tarde
e finda a noite a lua mansa e a gente dança venerando a noite

quando é dia o sol levanta e a gente canta o sol de todo o dia”
caetano veloso)



i.


por que não lêem poesia?
por que não provam o poema?
por que não amam a palavra acesa no calor do verbo?

será por exalar (o poema) luz vastíssima
e colorir os céus como pássaros-flores em pétalas lírias?

quê há?
a poesia é música
(e, por certo, e por exemplo, Deus criou essa voz-caetano
qual cifra que serpenteie entre os elos das cordas do elomar
qual beatriz derramada nas milton-voz-minas-gerais
qual pinheiro-leila acariciando-se no russo — naquela águavoz
eduardo e mônica

ave voz ave som ave palavra uma só palavra-vislumbre:

tempo
vento


ii.


eu só entre homens esquálidos
no país que – trôpego – discute a ausência de ética
e, em transe, venda olhos à polícia que,
agora, como nunca, tolhe a liberdade
(pois que de tudo se vê, até magistrado com algemas!)
eu só entre mulheres sedentas
eu só entre crianças descalças do mínimo afeto
eu só entre pássaros que gritam e onças que urram dilemas
e leões-marinhos antiqüissimos
e tubarões vorazes (na ânsia de deglutir o pálido Erário)
e serpentes de siglas conservadoras...
e...


iii.


(no rio amazonas somos como sóis fabricando
utópica harmonia entre os homens:
pode o fazendeiro que escraviza crianças,
irmão do usineiro latifundiário,
abraçar, com afeto amplo, o motorista do ônibus
que leva almas cansadas para vilas distantes?)


iv.


libertar a poesia
dos eternos drummonds e gullares!
eia!
e pô-la na boca do estopim
que, enfim, explodirá a bala dos cárceres!

quê que há? o poema é branco e pálido?
quem tal pensamento solerte engenhou?

é o poema: a avenca que escapole da nuvem
e, saindo-luz pelos ares, sálvia, chora

Ïsirãrã (1)
Ïsaribi (2)

(que adejasse serras rios pontes de carvalho secular:
a asa alquebrada da República esforça-se, vai, tomba,
levanta-se!
Mas o medo de quantos muitos pobres que reclamam do preço do leite e do pão!
Mas a mídia que esconde o balcão de negócios no trâmite das leis várias!
Mas o presidente operário achincalhado pelo baronato de que falou Faoro!
Mas...)


v.


somos o que sou
o que soou és
e ai ai ai ai ai ai!
e meus amigos cadê?
minhas lindas amigas que choram seus amores
e na voz rouca: ausência de ver o país que desfaz abismos

(o só o eu – o ego lasso! —
e o (e)terno não-ver a pátria
que busca distribuir a renda,
entornando-a pelo sertão
desde minas bahia e pernambuco
até resvalar campina grande e paraíba prenda!)

Oh! querubins inanimadas onde vossos braços pernas gestos?
mulheres-anjos serafins que
alam
alam alam alam alam alam alam
e amam
alam
e amam
e alam

querovos e queroos vós quero os bins
queroos queroo o olor fugaz do sexo das meninas

onde anda o fiodameada do que dizíamos
nosotros em pensamentos de harmonia entre nosotros?

onde achar a réstia de verbo som luzificado
que agora nos ateasse razão no torpor do grito?

eis que o alarido é só o grito só o sem-silêncio
dos olhos que vêem a tv e não a flor

a flor azul

a flor rosa a flor arcoirisada
a flor no jardim
a flor no ar a flor aguada
a flor orquídea
a flor jasmim a flor claitônia

a flor
raflésia

e as hepáticas e as violetas e os gerânios
e as gencianas e a asclépia-do-brejo
e a flor-cardeal e a erva-lanceta
e o cardo e o lírio-róseo
e os funchos
e o trevo-vermelho e a urumbeba e a palmatória
e as jardineiras e as petúnias
e as sálvias e os crisântemos

e os cosmos

e a lentilha d'água

e as dálias e as íris e as papoulas
e as talictrinas

vi.

e as flores todas,
olhos que vêem, em que lugares de esquecimentos imemorais
voejam as cores de vossas íris?
e as íris de vossas dores?


(Lafaiete Luiz, pela voz mágica de Gláucia Carvalho)

__________________
* cuida-se de um poema visual, com fontes coloridas e, em alguns versos, ora gigantes (palavra raflésia, e.g.), ora microscópicas — como é o caso do vocábulo lentilha-d'água, a menor flor conhecida (dizi minha velha enciclopédia impressa)

(1) Flor, em xavante
(2) Asa, em xavante

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como a madrugada produz incêndios!

Auroras

FUNDAMENTAL: Chomsky debulha a manipulação dos meios