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Mostrando postagens de dezembro, 2007

Haicais. Cadê?

Clicando em Arquivo do blogue ou em Marcadores , na barra lateral à esquerda, você acessa textos antigos, além de quase hais e belos haicais.

Canções

1988. Cheguei em Brasília, vindo da Bahia. Primeiro, a surpresa feliz, ao ouvir em uma FM a belíssima Eduardo e Mônica , da Legião Urbana ("Dois"). Depois, Ritual , do Cazuza ("Só se for a dois"). Comprei o LP só porque era do Cazuza (que lia a Descoberta do Mundo , da Lispector - que por sua vez, segundo Antonio Lobo Antunes, em entrevista na EntreLivros deste mês, bebia na fonte de As Ondas , de Virgínia Wolf, e saber disso decepcionou-o...) Tais canções moram hoje em mim (nalguma municipalidade da geografia do encéfalo combalido nestes tempos de espoliação financeira de nações e indivíduos) junto às poemúsicas do polêmico Caetano, como é o caso da fundamental O homem velho . Por isso as postei, hoje, aqui.

Ritual

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Cazuza Pra que sonhar A vida é tão desconhecida e mágica Que dorme às vezes do teu lado Calada Calada Pra que buscar o paraíso Se até o poeta fecha o livro Sente o perfume de uma flor no lixo E fuxica Fuxica Tantas histórias de um grande amor perdido Terras perdidas, precipícios Faz sacrifícios, imola mil virgens Uma por uma, milhares de dias Ao mesmo Deus que ensina a prazo Ao mais esperto e ao mais otário Que o amor na prática é sempre ao contrário Que o amor na prática é sempre ao contrário Ah, pra que chorar A vida é bela e cruel, despida Tão desprevenida e exata Que um dia acaba

O homem velho

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Caetano Veloso O homem velho deixa a vida e morte para trás Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais O homem velho é o rei dos animais A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol As linhas do destino nas mãos a mão apagou Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock’n’roll As coisas migram e ele serve de farol A carne, a arte arde, a tarde cai No abismo das esquinas A brisa leve traz o olor fulgaz Do sexo das meninas Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon Belezas, dores e alegrias passam sem um som Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual Já tem coragem de saber que é imortal

Exemplo para o mundo

O governo federal colocou em marcha, há dois anos, um projeto de renovação de sua matriz tecnológica que tinha como grande diferencial a inclusão social. O conhecimento e a tecnologia acumulados pelo Brasil na produção de biodiesel representam uma grande oportunidade para impulsionar o desenvolvimento e ajudar o mundo a achar alternativas de energia sustentável. Leia mais aqui...

À semelhança de uma explicação que não deveria ser dada, por desnecessária

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Escrevo para ferir de morte o torpor da existência. Escrevo para vivificar luzes apreendidas no sonho - Extintas no despertar, pela manhã. Escrevo para entender a nuvem, a chuva e a cana. Para captar a mensagem dos olhos da mulher que. Escrevo, sim, Anais, para voar, como o pássaro; para dançar, como o povo primitivo, há séculos. Escrevo para decifrar o sopro de vida que vem do verso.

O MELHOR POETA DO MUNDO?

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Vladímir Maiakóvski BLUSA FÁTUA Costurarei calças pretas com o veludo da minha garganta e uma blusa amarela com três metros de poente. pela Niévski do mundo, como criança grande, andarei, donjuan, com ar de dândi. Que a terra gema em sua mole indolência: "Não viole o verde das minhas primaveras!" Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência: "No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!" Não sei se é porque o céu é azul celeste e a terra, amante, me estende as mãos ardentes que eu faço versos alegres como marionetes e afiados e precisos como palitar dentes! Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta garota que me olha com amor de gêmea, cubram-me de sorrisos, que eu, poeta, com flores os bordarei na blusa cor de gema! (Tradução: Augusto de Campos) LÍLITCHKA! Em lugar de uma carta Fumo de tabaco rói o ar. O quarto — um capítulo do inferno de Krutchônikh. (1) Recorda — atrás desta janela pela primeira vez apertei tuas mãos, atônito. Hoje te sentas, no coração — aço. U

Hatoum e Brasília

A edição de dezembro de EntreLivros (para mim, a melhor revista literária destes tempos) traz crônica do amazonenses Hatoum sobre Brasília. Imperdível. Aliás, a edição toda mereceria aqui comentários outros. Deixemos para depois. É Natal.

Terra do Meio

A grilagem de terras no Pará ocorre há décadas. O repórter Marcelo Canellas conseguiu, com o programa Terra do Meio revelar para o país um mundo de ilegalidade, um submundo fundiário, um inferno. O blogue a respeito do programa é leitura obrigatória. Padres e bispos católicos são jurados de morte, porque lutam contra grileiros e fazendeiros gananciosos e assassinos. Clique aqui . Post do dia 12 de dezembro relata: "A série Terra do Meio - Brasil Invisível, apresentada no Bom Dia Brasil na semana de 3 a 7 de dezembro, recebeu menção honrosa do movimento humanos direitos, nesta terça-feira (11) à noite, no Rio de Janeiro. Foi durante a entrega do Prêmio João Canuto ao repórter Marcelo Canellas (foto). A ONG, presidida pela atriz Dira Paes, executa e apóia projetos de erradicação do trabalho escravo e infantil e de desenvolvimento sócio-ambiental." Quase hai torce por que a combativa governadora Ana Júlia Carepa consiga capitanear movimento pela entrada do Estado do Pará na leg

Pássaros notívagos

Na cabana oculta entre montes, na Chapada A noite principia, com ventos gélidos. Uma fogueira. O casal ancião coa o café. Precipitam cânticos lúgubres de pássaros notívagos. É Natal.

Lê clássicos

Do alto, no 15º andar, A mulher conduz o corpo pela casa O ser, o nada, a ausência. (Vizinho, o homem velho lê clássicos e verte café bom.) É Natal, em Águas Claras, DF.

A dor

No hospital, o homem e a dor. Analgésicos na veia. A enfermeira. Outro homem próximo balbucia frases entrecortadas. A médica de pele macia. A dor. A dor. A dor. É Natal, na Asa Sul, no DF.

Fartura de Versos!

Até amanhã, Natal, Quase hai postará, diariamente, uma seleção do melhor da poesia mundial. Poesia à mancheia! Leia e comente. "Lívros, discos, vídeos à mancheia E deixe que digam, que pensem e que falem" (Caetano)

Brasília no Natal

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Brasília no Natal Evoca milhões de luzes Fatos e dores Brasília tesa Brasília nuvens claras Brasília verão dilacerante Brasília chuvas torrenciais Brasília sertão Brasília praia Brasília pampa Brasília cerrado Brasília pássaros e beija-flores Brasília pintores e artistas de teatro e sonhadores e poetas Brasília música Brasília clássica Brasília viola Brasília choro cavaquinho Brasília pagode e forró E Brasília rock pop e blues No Gates Brasília pôr estranho do sol E Brasília no Pontão, Mágica, sensual, linda, dúbia, Língua, corpo de Brasília Voz de Brasília Sombra de Brasília Brasília esquálida na periferia Brasília livre na periferia Brasília triste na periferia Brasília em Brazlândia Na Vila São José Onde homens criam filhos e amam mulheres E casam e separam e guardam sonhos E têm lindos filhos e filhas de cabeleiras negras ou crespas Ou louras E rezam no Natal Brasília de gente triste No Lago Sul Brasília de gente bela no Lago Sul E no Gama E também na Asa Norte Brasília de apartaçã

DILÚVIO POÉTICO. Sylvia Plath*

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PALAVRAS Golpes De machado na madeira, E os ecos! Ecos que partem A galope. A seiva Jorra como pranto, como Água lutando Para repor seu espelho Sobre a rocha Que cai e rola, Crânio branco Comido pelas ervas. Anos depois, na estrada, Encontro Essas palavras secas e sem rédeas, Bater de cascos incansável. Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas Decidem uma vida. (tradução de Ana Cristina César) ARIEL Estancamento no escuro E então o fluir azul e insubstancial De montanha e distância. Leoa do Senhor como nos unimos Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco Afunda e passa, irmão Do arco tenso Do pescoço que não consigo dobrar. Sementes De olhos negros lançam escuros Anzóis... Negro, doce sangue na boca, Sombra, Um outro vôo Me arrasta pelo ar... Coxas, pêlos; Escamas e calcanhares. Branca Godiva, descasco Mãos mortas, asperezas mortas. E então Ondulo como trigo, um brilho de mares. O grito da criança Escorre pela parede. E eu Sou a flexa, O orvalho que voa, Suicida, unido com o impulso D

A Pantera

Rainer Maria Rilke No Jardin des Plantes, Paris De tanto olhar as grades seu olhar esmoreceu e nada mais aferra. Como se houvesse só grades na terra: grades, apenas grades para olhar. A onda andante e flexível do seu vulto em círculos concêntricos decresce, dança de força em torno a um ponto oculto no qual um grande impulso se arrefece. De vez em quando o fecho da pupila se abre em silêncio. Uma imagem, então, na tensa paz dos músculos se instila para morrer no coração. Tradução: Augusto de Campos

Chuva

Francis Ponge A chuva, no pátio em que a olho cair, desce em andamentos muito diversos. No centro, é uma fina cortina (ou rede) descontínua, uma queda implacável mas relativamente lenta de gotas provavelmente bastante leves, uma precipitação sempiterna sem vigor, uma fração intensa do meteoro puro. A pouca distância das paredes da direita e da esquerda caem com mais ruído gotas mais pesadas, individuadas. Aqui parecem do tamanho de um grão de trigo, lá de uma ervilha, adiante quase de uma bola de gude. Sobre o rebordo, sobre o parapeito da janela a chuva corre horizontalmente ao passo que na face inferior dos mesmos obstáculos ela se suspende em balas convexas. Seguindo toda a superfície de um pequeno teto de zinco abarcado pelo olhar, ela corre em camada muito fina, ondeada por causa de correntes muito variadas devido a imperceptíveis ondulações e bossas da cobertura. Da calha contígua onde escoa com a contenção de um riacho fundo sem grande declive, cai de repente em um filete perfei

Ossos de Siba

Eugênio Montale Não busques abrigo na sombra desse bosque de verdura qual o falcão que mergulha como um raio na canícula. É hora de deixar quieto o caniçal sonolento e de observar as formas da vida que se esboroa. Caminhamos numa poeira de madrepérola vibrante, num ofuscamento pegajoso que quase nos desfibra. No entanto, tu o sentes, mesmo na onda árida que lassidão nos traz neste instante de enfado não é hora ainda de lançar num abismo nossas vidas errantes. Como este claustro de rochas que parece desfiar-se em teias de nuvens; assim nossas almas ressequidas onde a ilusão mantém aceso um fogo mais de cinzas se entregam à serenidade de uma certeza: da luz. Repenso o teu sorriso e é para mim como uma água límpida retida por acaso entre as pedras de um rio, exíguo espelho onde contemplas uma hera e seus corimbos; e tudo sob o abraço de um branco céu tranqüilo. Esta é a minha lembrança; não sei dizer, faz tanto tempo, se de teu rosto surge livre uma alma ingênua, ou se em verdade és dos e

Versos, versos, versos, e mais versos!

Até 25 de dezembro, Quase hai postará, diariamente, uma seleção do melhor da poesia mundial. Um aluvião poético! Leia e comente.

Poema de outubro

Dylan Thomas Era o meu trigésimo ano rumo ao céu Quando chegou aos meus ouvidos, vindo do porto e do bosque ao lado, E da praia empoçada de mexilhões E sacralizada pelas garças O aceno da manhã Com as preces da água e o grito das gralhas e gaivotas E o chocar-se dos barcos contra o muro emaranhado de redes Para que de súbito Me pusesse de pé E descortinasse a imóvel cidade adormecida. Meu aniversário começou com as aves marinhas E os pássaros das árvores aladas esvoaçavam o meu nome Sobre as granjas e os cavalos brancos E levantei-me No chuvoso outono E perambulei sem rumo sob o aguaceiro de todos os meus dias. A garça e a maré alta mergulhavam quando tomei a estrada Acima da divisa E as portas da cidade Ainda estavam fechadas enquanto o povo despertava. Toda uma primavera de cotovias numa nuvem rodopiante E os arbustos à beira da estrada transbordante de gorjeios De melros e o sol de outubro Estival Sobre os ombros da colina, Eram climas amorosos e houve doces cantores Que chegaram de

São Sava

Vasko Popa Em torno de sua cabeça voam abelhas E constróem uma auréola viva Em sua barba ruiva Forrada de flores de tília Trovões e relâmpagos brincam de cabra-cega Em seu pescoço pendem correntes E balançam no sonho de ferro Em seu ombro um galo reluz Nas mãos um cajado sábio canta A canção dos caminhos cruzados À sua esquerda corre o tempo À sua direita corre o tempo Ele caminha pela estiagem Seguindo os seus lobos Tradução: Aleksandar Jovanovic

Poema para ser lido e cantado

César Vallejo Sei que há uma pessoa que, dia e noite, me busca em sua mão, encontrando-me, a cada minuto, em seu calçado. Ignora que a noite está enterrada atrás da cozinha com esporas? Sei que há uma pessoa composta de minhas partes, que eu completo sempre que o meu vulto cavalga sua exacta pedrazinha. Ignora que ao seu cofre não voltará nenhuma moeda que saiu com seu retrato? Sei o dia, mas o sol escapou-me; sei o acto universal que fez na cama com alheia coragem e essa água morna, cuja superficial frequência é uma mina. Tão pequena é, acaso, essa pessoa que até seus próprios pés assim a pisam? Um gato é a fronteira entre eu e ela, mesmo ao lado de sua malga de água. Vejo-a pelas esquinas, abre e fecha sua veste, antes palmeira interrogante... que poderá fazer senão mudar de pranto? Mas ela busca-me, busca-me. É uma história! Tradução: José Bento

Leda e o cisne

William Butler Yeats Súbito golpe: as grandes asas a bater Sobre a virgem que oscila, a coxa acariciada Por negros pés, a nuca, um bico a vem reter; O peito inane sobre o peito, ei-la apresada. Dedos incertos de terror, como empurrar Das coxas bambas o emplumado resplendor? Pode o corpo, sob esse impulso de brancor, O coração estranho não sentir pulsar? Um tremor nos quadris engendra incontinenti A muralha destruída, o teto, a torre a arder E Agamêmnon, o morto. Capturada assim, E pelo bruto sangue do ar sujeita, enfim Ela assumiu-lhe a ciência junto com o poder, Antes que a abandonasse o bico indiferente? Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos

Envoi (1919)

Ezra Pound Vai, livro natimudo, E diz a ela Que um dia me cantou essa canção de Lawes: Houvesse em nós Mais canção, menos temas, Então se acabariam minhas penas, Meus defeitos sanados em poemas Para fazê-la eterna em minha voz Diz a ela que espalha Tais tesouros no ar, Sem querer nada mais além de dar Vida ao momento, Que eu lhes ordenaria: vivam, Quais rosas, no âmbar mágico, a compor, Rubribordadas de ouro, só Uma substância e cor Desafiando o tempo. Diz a ela que vai Com a canção nos lábios Mas não canta a canção e ignora Quem a fez, que talvez uma outra boca Tão bela quanto a dela Em novas eras há de ter aos pés Os que a adoram agora, Quando os nossos dois pós Com o de Waller se deponham, mudos, No olvido que refina a todos nós, Até que a mutação apague tudo Salvo a Beleza, a sós. Tradução de Augusto de Campos

A poesia é uma força destrutiva

Wallace Stevens Isto é que é a miséria, Nada Ter no coração. É Ter ou nada. É uma coisa Ter, Um leão, um boi no seu peito, Senti-la respirando ali. Corazón, cachorro bravo, Bezerro, urso de pernas tortas, Ele prova seu sangue, não cospe. É como um homem No corpo de uma fera violenta. São seus os músculos dela... O leão dorme ao sol. O nariz entre as patas. Ela pode matar um homem. Tradução de Ronaldo Brito

Montanha de julho

Wallace Stevens Nós vivemos numa constelação De retalho e retinir de sons, E não num mundo uno, nas coisas ditas Acuradamente em música ou fala, Como em piano ou página de poesia – pensadores sem pensamentos últimos Num cosmos sempre e sempre incipiente, Como, ao se subir uma montanha, Vermont reúne seus vários pedaços. Tradução de João Moura Jr.

Quem está morrendo, amor

Emily Dickinson Quem está morrendo, amor precisa de tão pouco um copo d'água o rosto discreto de uma flor um leque talvez uma dor amiga e a certeza que nenhuma cor do arco-íris perceba quando embora for Tradução de Ana Cristina César

Borges

Vi Borges, demiurgo, em sonho, noite tempestuosa. Que buscas, Jorge? O devenir: o Verbo-Verso jamais escrito.

Musa dos movimentos sociais

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A bela Letícia Sabatella está em Retratos Capitais da revista Carta Capital que circulará semana que vem .

Memórias de Adriano

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Respondendo a leitor(a), que fez comentário anônimo. A prometida resenha da obra-primíssima Memórias de Adriano , de Marguerite Yourcenar, sairá. Só não sei quando. Será muito mais que uma resenha. Na verdade, escolherei fragmentos do romance para postar. Aos 15-16 anos, li Fogo Morto e Água-Mãe , de José Lins do Rego, e alguns romances de F. M. Dostoiévski. Fiz a seleção de passagens. Leio hoje, com nostalgia, as anotações feitas a lápis, em velho tomo deste último, editado em 1952 pela Livraria José Olympio, com tradução primorosa de Rachel de Queiroz e prefácio de Otto Maria Carpeaux. Anotei, então, 67 excertos de Humilhados e Ofendidos , um dos romances que prenunciam a fase madura do criador de Os Demônios. Aliás, Humilhados e Ofendidos foi recém traduzido, direto do russo, em edição belíssima da editora Nova Alexandria. O livro de Yourcenar é uma autobiografia romanceada do imperador romano, que viveu no século 2, baseada numa minuciosa pesquisa histórica. Yourcenar começou a es

Sobre o poema de Drummond

O poema A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, postado na série Tempestade Poética, foi escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno “Mais” (edição de 02-01-2000), que circula aos domingos pelo jornal “Folha de São Paulo”.

A Máquina do Mundo

Carlos Drumonde de Andrade E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia. Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos. Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em coorte, a

Anjo daltônico

Jorge de Lima Tempo da infância, cinza de borralho, tempo esfumado sobre vila e rio e tumba e cal e coisas que eu não valho, cobre isso tudo em que me denuncio. Há também essa face que sumiu e o espelho triste e o rei desse baralho. Ponho as cartas na mesa. Jogo frio. Veste esse rei um manto de espantalho. Era daltônico o anjo que o coseu, e se era anjo, senhores, não se sabe, que muita coisa a um anjo se assemelha. Esses trapos azuis, olhai, sou eu. Se vós não os vedes, culpa não me cabe de andar vestido em túnica vermelha.

Folhetim eletrônico

Novela continua a postar trechos da novela Anantha, enquanto escrevo, devagar, o primeiro capítulo de novo folhetim.

Versos torrenciais

Até 25 de dezembro, Quase hai postará, diariamente, uma seleção do melhor da poesia mundial. Uma chuva poética caudalosa. Com direito a relâmpagos. Leia e comente.

Germina

Lançado mais uma edição da excelente revista literária eletrônia Germina Literatura . Silvana Guimarães, também editora de Escritoras Suicidas , avisou-me há pouco que estou também lá . Feliz Natal, Sil e Mariza Lourenço, criativas editoras!

Definição de Poesia

Boris Pasternak Um risco maduro de assobio. O trincar do gelo comprimido. A noite, a folha sob o granizo. Rouxinóis num dueto desafio. Um doce ervilhal abandonado A dor do universo numa fava. Fígaro: das estantes e flautas - Geada no canteiro, tombado. Tudo o que para a noite releva Nas funduras da casa de banho, Trazer para o jardim uma estrela Nas palmas úmidas, tiritando. Mormaço: como pranchas na água, Mais raso. C´]eu de bétulas, turvo. Se dirá que as estrelas gargalham, E no entanto o universo está surdo. Tradução de Haroldo de Campos

18

William Shakespeare — Comparar-te a um dia de verão? Tens mais doçura e mais amenidade: Flores de maio, ao vento rude vão Como o estio se vai, com brevidade: O sol às vezes em calor se exalta ou tem a essência de oro sem firmeza E o que é formoso, à formosura falta, Por sorte ou por mudar-te a natureza. Mas teu verão eterno brilha a ver-te Guardando o belo qu em ti permanece, Nem a morte rirá de ensombrecer-te, Quando em verso imortal, no tempo cresces. Enquanto o homem respire, o olhar aqueça, Viva o meu verso e vida te ofereça. Tradução de Jorge Wanderley

Prelúdio ao inverno

William Carlos Williams A mariposa sob as goteiras com asas como a casca de um tronco, estende-se e o amor é uma curiosa coisa suavemente alada imóvel sob as goteiras. Trad. de José Lino Grünewald

Prelúdios

T. S. Eliot I A tarde de inverno declina Com ranço de bifes nas galerias. Seis horas. O fim carbonizado de nevoentos dias. E agora um convulso aguaceiro enrola os encardidos restos De folhas secas ao redor de nossos pés E jornais que circulam no vazio Dos terrenos baldios. O temporal chicoteia As persianas rachadas e o capuz das chaminés. E na esquina de uma rua Um solitário cavalo de coche Bafeja e escarva o solo. E então Aa lâmpadas dardejam seu clarão. IV Sua alma tensa se estendeu cruzando os céus Que se estiolam por trás dos edifícios, Ou a pisotearam insistentes pés Às quatro e às cinco e às seis horas da tarde; E curtos dedos firmes a entupir cachimbos, E jornais vespertinos, e olhos Convictos de certas certezas, A consciência de uma enegrecida rua Impaciente por se apoderar do mundo. Movido sou por fantasias que se enredam Ao redor dessas imagens, e a elas se agarram: A noção de algo infinitamente suave De alguma coisa que infinitamente sofre. Enxuga tuas mãos à boca e ri; Os m

Toada de Negros em Cuba

Federico García Lorca Quando chegar a lua cheia, irei a Santiago de Cuba, Irei a Santiago. Num carro de água negra Irei a Santiago. Cantarão os tetos de palmeira. Irei a Santiago. Quando a palma quer ser cegonha, Irei a Santiago. Quando quer ser medusa a bananeira, Irei a Santiago, Irei a Santiago. Com a ruiva cabeça do Fonseca, Irei a Santiago. E com a rosa de Romeu e Julieta, Irei a Santiago. Oh Cuba! Oh ritmo de sementes secas! Irei a Santiago. Oh cintura quente e gota de madeira! Irei a Santiago. Harpa de troncos vivos. Caimão. Flor de tabaco. Irei a Santiago. Sempre tenho dito que irei a Santiago. Num carro de água negra. Irei a Santiago. Meu coral na treva, Irei a Santiago. O mar afogado na areia, Irei a Santiago. Calor branco, fruta morta, Irei a Santiago. Oh bovino odor de canavieiras! Oh Cuba! Oh curva de suspiro e barro! Irei a Santiago. Tradução de Manuel Bandeira

O fundamentalismo de um santo homem*

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Conheci Frei Luiz, hoje Dom Cappio, no interior da Bahia. Ainda jovem, seus sermões a todos encantavam. As missas lotavam a Igreja Matriz de Barreiras, no interior da Bahia. Sabedoria pura, inocente, viajava de uma cidade para outra a pé, recusando caronas. Aos 17 anos, após encontro que eu e minha então namorada mantivemos com ele, na Casa paroquial, Frei Luiz valeu-se de uma comparação ímpar. Cecília perguntou-lhe como poderia fazer para controlar a ansiedade e inquietação. Ela estava em delicado momento de sua vida. Em seguida, Cappio acariciou-lhe os cabelos loiros e disse que a lava de um vulcão, após a erupção, derrama-se por todas as direções, sem controle, num movimento abrupto, vigoroso. "Nossas emoções", ensinou ele, "o movimento interno de cada um de nós, é semelhante à lava que, velozmente, atinge a toda forma de vida próxima, descontroladamente; devemos aprender a aquietar nossa alma, pela oração e pela reflexão". Por fim, o bom frei sorriu e orou, em s

Hino ao juiz

Maiakovski Pelo Mar Vermelho vão, contra a maré, Na galera a gemer os galés, um por um. Com um rugido abafam o relincho dos ferros: Clamam pela pátria perdida - o Peru. Por um Peru - Paraíso - clamam os peruanos, Onde havia mulheres, pássaros, danças, E, sobre guirlandas de flores de laranja, Baobás - até onde a vista alcança. Bananas, ananás! Peitos felizes. Vinho nas vasilhas seladas... Mas eis que de repente com praga No Peru imperam os juízes! Encerraram num círculo de incisos Os pássaros, as mulheres e o riso. Boiões de lata, os olhos dos juízes São faíscas num monte de lixo. Sob o olhar de um juiz, duro como um jejum, Caiu, por acaso, um pavão laranja-azul: Na mesma hora virou cor de carvão A espaventosa cauda do pavão. No Peru voavam pelas campinas Livres os pequeninos colibris; Os juízes apreenderam-lhes as penas E aos pobres colibris coibiram. Já não há mais vulcões em parte alguma, A todo monte ordenam que se cale. Há uma tabuleta em cada vale: "Só vale para quem não fum

Carta ao camarada Kostróv

SOBRE A ESSÊNCIA DO AMOR Maiakovski Perdoe- me, camarada Kostróv, com sua habitual largueza de vista, se eu desperdiço as minhas estrofes de Paris em lírica imprevista. Imagine: uma beleza entra na sala vestindo peles e adereços. A essa bela presa a minha fala (não sei se bem ou mal) eu endereço: Sou russo, camarada, e sou famoso em meu país. Já tive muitas namoradas bonitas - todas as que eu quis. As mulheres amam os poetas. Sou vivo, minha voz é de bom timbre. Tonteio como éter. Basta Ouvir-me Não me fisgam com armas sem valor. Não caio por qualquer charme. Eu fui para sempre ferido pelo amor - mal e mal posso arrastar-me. Não meço o amor pelo matrimônio. Deixou de amar - passe bem! Para mim, camarada, as cerimonias valem menos que um vintém. Para que ficar palrando? Deixe de onda, formosura, eu não tenho mais vinte anos, mas trinta... p; e outros tantos fora da conta. O amor não está nbsp; em ferver bruscamente, nem está em acender uma fogueira, mas no que há por trás ; das montanha

Entre a porta e a mão que bate à porta

Ruy Ventura entre a porta e a mão que bate à porta vai a distância da carne à madeira a distância do corpo que toca esse pedaço de árvore à existência da própria árvore toca a mão na madeira (direi porta?) como se tocasse toda a substância da casa o seu vento as suas vozes os seus cheiros os seus objectos a totalidade do espaço que se adivinha para além das janelas e das paredes bate na tarde à porta a mão na tarde ou talvez pela manhã acompanhando a solidão que transforma o tempo à porta a mão identifica todo o corpo que no exterior toca bate acorda tarde à porta bate a voz da montanha não apenas pássaro ou árvore pedra ou riacho mas toda a pedra repetida no interior da sombra e do som dos pássaros na escada toda a terra concentrada na mão que bate à porta acariciando o retrato da inquietação e do inverno entre a porta e o interior da casa dos livros reúne cor e ramagem frio e alimento viagens como naufrágios ou inscrições registadas na habitação da tristeza (para o clóvis artur) in A

O Sentimento dum Ocidental

Cesário Verde I Nas nossas ruas, ao anoitecer, Há tal soturnidade, há tal melancolia, Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia Despertam um desejo absurdo de sofrer. O céu parece baixo e de neblina, O gás extravasado enjoa-nos, perturba; E os edifícios, com as chaminés, e a turba, Toldam-se duma cor monótona e londrina. Batem os carros de aluguer, ao fundo, Levando à via férrea os que se vão. Felizes! Ocorrem-me em revista, exposições, países: Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo! Semelham-se a gaiolas, com viveiros, As edificações somente emadeiradas: Como morcegos, ao cair das badaladas, Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros. Voltam os calafates, aos magotes, De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos; Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos, Ou erro pelos cais a que se atracam botes. E evoco, então, as crónicas navais: Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado! Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado! Singram soberbas naus que eu não verei jamai

Estranhos hábitos urbanos

Do alto, a luz noturna dos bairros. Chuvas muito acima da voz pálida dos bêbados. Solidão, arrastar-se pelo quarto, jejuar ao notebook.

Leitura

Perambula em busca do sossego. O livro exige do leitor a paz. O mundo exige do homem o sangue.

DILÚVIO

Até 25 de dezembro, Quase hai postará, diariamente, uma seleção do melhor da poesia mundial. Uma chuva poética torrencial. Com direito a relâmpagos. Leia e comente.

O barco bêbado

Arthur Rimbaud Eu vi os arquipélagos astrais! e as ilhas Que o delírio dos céus desvela ao viajor; - É nas noites sem cor que te esqueces e te ilhas, Milhão de aves de ouro, ó futuro Vigor? Sim, chorar eu chorei! São mornas as Auroras! Toda lua é cruel e todo sol, engano: O amargo amor opiou de ócios minhas horas. Ah! que esta quilha rompa! Ah! que me engula o oceano! Da Europa a água que eu quero é só o charco Negro e gelado onde, ao crepúsculo violeta, Um menino tristonho arremesse o seu barco Trêmulo como a asa de uma borboleta. No meu torpor, não posso, ó vagas, as esteiras Ultrapassar das naves cheias de algodões, Nem vencer a altivez das velas e bandeiras, Nem navegar sob o olho torvo dos pontões.

Brisa Marinha

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Stéphane Mallarmé A carne é triste, sim, e eu li todos os livros. Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres, ébrios de se entregar à espuma e aos céus imensos. Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos, impede o coração de submergir no mar ó noites! nem a luz deserta a iluminar este papel vazio com seu branco anseio, nem a jovem mulher que preme o filho ao seio. Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas, Ergue a âncora em prol das mais estranhas plagas! Um Tédio, desolado por cruéis silêncios, ainda crê no derradeiro adeus dos lenços! E é possível que os mastros, entre as ondas más, rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem mas- tros, sem mastros, nem ilhas férteis, a vogar... Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do mar! Trad. de Augusto de Campos

O Azul (L'Azur)

Stéphane Mallarmé De um infinito azul a serena ironia bela indolemente abala como as flores o poeta incapaz que maldiz a poesia no estéril areal de um deserto de Dores. Em fuga, olhos fechados, sinto-o que espreita, com toda a intensidade de um remorso aceso, a minha alma vazia. Onde fugir? que estreita noite, andrajos opor a seu feroz desprezo? Vinde, névoas! Lançai a cerração de sono sobre o límpido céu, num farrapo noturno, que afogarão os lodos lívidos do outono, e edificai um grande teto taciturno. E tu, ó Tédio, sai dos pântanos profundos da desmemória, unindo o limo aos juncos suaves, para tapar com dedos ágeis esses fundos furos de azul que vão fazendo no ar as aves. Que sem descanço, enfim, as tristes chaminés façam subir de fumo uma turva corrente e apaguem no pavor de seus torvos anéis o sol que vai morrendo amareladamente! - o Céu é morto. - Vem e concede, ó matéria, o olvido do Ideal cruel e do Pecado a um mártir que adotou o leito da miséria ao rebanho feliz dos homens re

TEMPESTADE POÉTICA. Ela foi encontrada!

Arthur Rimbaud Ela foi encontrada! Quem? A eternidade. É o mar misturado Ao sol. Minha alma imortal, Cumpre a tua jura Seja o sol estival Ou a noite pura. Pois tu me liberas Das humanas quimeras, Dos anseios vãos! Tu voas então... — Jamais a esperança. Sem movimento. Ciência e paciência, O suplício é lento. Que venha a manhã, Com brasas de satã, O dever É vosso ardor. Ela foi encontrada! Quem? A eternidade. É o mar misturado Ao sol. Trad. de Claudio Daniel

TEMPESTADE POÉTICA. Canção da Torre Mais Alta

Arthur Rimbaud Ociosa juventude De tudo pervertida Por minha virtude Eu perdi a vida. Ah! Que venha a hora Que as almas enamora. Eu disse a mim: cessa, Que eu não te veja: Nenhuma promessa De rara beleza. E vá sem martírio Ao doce exílio. Foi tão longa a espera Que eu não olvido. O terror, fera, Aos céus dedico. E uma sede estranha Corrói-me as entranhas. Assim os Prados Vastos, floridos De mirra e nardo Vão esquecidos Na viagem tosca De cem feias moscas. Ah! A viuvagem Sem quem as ame Só têm a imagem Da Notre-Dame! Será a prece pia À Virgem Maria? Ociosa juventude De tudo pervertida Por minha virtude Eu perdi a vida. Ah! Que venha a hora Que as almas enamora! Trad. de Claudio Daniel

TEMPESTADE POÉTICA. Minha Boemia (fantasia)

Arthur Rimbaud Eu caminhava, as mãos soltas nos bolsos gastos; O meu paletó não era bem o ideal; Ia sob o céu, Musa! Teu amante leal; Ah! E sonhava mil amores insensatos Minha única calça tinha um largo furo. Pequeno Polegar, eu tecia no percurso Um rosário de rimas. A Grande Ursa, O meu albergue, brilhava no céu escuro. Sentado na sargeta, só, eu a ouvia Nessa noite de setembro em que sentia O odor das rosas, que vinho vigoroso! Ali, entre inúmeros ombros fantásticos, Rimava com a débil lira dos elásticos De meus sapatos, e o coração doloroso! Trad. de Claudio Daniel

TEMPESTADE POÉTICA. Meu sonho familiar

Paul Verlaine Tenho este sonho: existe uma mulher Que eu não conheço e o seu carinho estende Sobre os meus males todos, que me quer Como eu a quero, enfim, que me compreende. Nem um pesar, nem uma dor sequer Sofro sem que ela o sinta: ele me entende E a grande dor que a minha fronte pende Com seu pranto, ela faz amortecer... É ela morena ou loura? Eu mesmo ignoro. Seu nome? É tão querido como o nome Das pessoas amadas que morreram. Olhos de estátua que um pesar consome! Tem sua voz o timbre almo e sonoro Das vozes caras que se emudeceram. Trad. Carlindo Lellis

Artigo que deve ser lido

Novo artigo do jornalista Bernardo Kucinski. Ele deve ser lido. Esclarecedor quanto à transposição do rio São Francisco e ao gesto do bispo de Barra/BA.

Vigésimo terceiro dia

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Cerca de oito quilos mais magro, o bispo Cappio (frei Luiz, para os baianos) prossegue na greve de fome. Primeira exigência, apresentada hoje em contra-proposta: que o Exército suspenda as operações da obra de transposição das águas do Rio São Francisco (registre-se que apenas um por cento da vazão do rio será desviada, segundo relatam técnicos). O governo não aceita negociar a interrupção da obra. Quem governa? O bispo? A Igreja? Ou o presidente da República? O fato é que nem durante a abjeta ditadura militar padres ou bispos se valeram de greve de fome. Antes lutaram, apoiando movimentos guerrilheiros. Foram torturados, como frei Tito, "assassinado" pela ditadura. Após sessões de infame tortura, o jovem frade cometeu suicídio, na França, no exílio. Não suportou. As visões do inferno o perseguiam: o fantasma Freury não o largava, nem do outro lado do mundo.

TEMPESTADE PÓETICA. Quietude no oceano

Goethe ( Das Gedichte - Erst Band ) Um silêncio desceu, profundo, sobre as águas, E sem arfar sequer repousa o velho mar; Entanto o pescador, a ruminar as mágoas, Volve lasso, em redor, os olhos devagar. Não há nenhum rumor por mais subtil e brando, Não há no mar ou no ar vagas nem viração... — Só existe o silêncio imenso amotalhando A impassível aquosa e límpida amplião. Tradução de Ary Mesquita)

Clarice

«__ __ __ __ __ __ estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu."

Kafka

“Uma manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto”.

TEMPESTADE POÉTICA. Abra a boca e feche os olhos

silvana guimarães Axiome I: Tout ce qui est, est en soi ou en autre chose. Fala a verdade. Tirei a sorte grande. Podia ter ficado na roça e morrer sem futuro, casada com um homem pobre-porém-honesto uma penca de filhos uma casinha caiada com flores no jardim samambaias na varanda horta no quintal a vida sem inesperados. Mas não. Estou vencendo na cidade grande. Tirei a sorte grande, vim parar aqui, no doce lar da minha patroa. Não existe no mundo alguém melhor do que ela. Minha mãe. Como se fosse. Mandou tratar dos meus dentes, dos meus cabelos, me deu roupas e sapatos novos, xampu, desodorante e me ensinou a usar absorventes higiênicos. Depois que eu estraguei três guardanapos da sua toalha de mesa mais bonita. Ela me emprestou alguns livros, me botou na escola, me mostrou como olhar as palavras no dicionário, me ensinou a conversar. Já sei falar problema. Já sei conjugar muitos verbos. Nós fomos. Nós vamos. Fui promovida de babá a cozinheira. Já sei dizer o almoço está servido. Já

TEMPESTADE POÉTICA. Tuas mãoes

Pablo Neruda Quando tuas mãos saem, amada, para as minhas, o que me trazem voando? Por que se detiveram em minha boca, súbitas, e por que as reconheço como se outrora então as tivesse tocado, como se antes de ser houvessem percorrido minha fronte e a cintura? Sua maciez chegava voando por sobre o tempo, sobre o mar, sobre o fumo, e sobre a primavera, e quando colocaste tuas mãos em meu peito, reconheci essas asas de paloma dourada, reconheci essa argila e a cor suave do trigo. A minha vida toda eu andei procurando-as. Subi muitas escadas, cruzei os recifes, os trens me transportaram, as águas me trouxeram, e na pele das uvas achei que te tocava. De repente a madeira me trouxe o teu contacto, a amêndoa me anunciava suavidades secretas, até que as tuas mãos envolveram meu peito e ali como duas asasrepousaram da viagem.

Casa de Letras

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Estava lendo há pouco arquivos do blogue Casa de Letras (ex- Diário Literário e Político ), que mantive durante alguns meses, em 2005. Há textos interessantes e trechos de belas obras de alguns escritores e escritoras. Quase hai publicará alguns deles, em breve. Um exemplo: 28/04/2005 21:51 Décimo capítulo de Vida de Gato Li hoje, numa pausa aos códigos e às penas da vida, o décimo e último capítulo de Vida de Gato , da Clarah Averbuck ( Máquina de Pinball e Das Coisas Esquecidas atrás da Estante ), menina (nasceu em 79) que vem escrevendo como gente grande! E fiquei tão fissurado que digitei o capitulo (menos de página e meia) para colar aqui: “Porque eu sou um gato de rua, dos mais vagabundos, revirando os lixos, fuçando nos cantos, me enfiando nos piores becos em busca de um dono. Mas gatos não têm dono. Gatos têm servos, escravos cegos e devotos, sempre prontos para mimá-los, ou não têm nada. AUT EGO AUT NIHIL . Então eu continuo , nenhum amor nesta lata, nem nesta outra, talve

TEMPESTADE PÓETICA

Até 25 de dezembro, Quase hai postará, diariamente, uma seleção do melhor da poesia mundial. Uma chuva poética torrencial. Com direito a relâmpagos. Leia e comente.

Noturno nos molhes

Nicolás Guillén Sob a noite tropical, o porto quieto. A água lambe a inocente orla e o farol golpeia o paredão deserto. Que calma tão profunda e tão simplória! Porém sobre os molhes solitários flutua uma visagem tormentória. Pena de cemitérios e de ossários, que ensina em quadros-negros tenebrosos como um mesmo penar se parte em vários. É que aqui ficam os gritos silenciosos e o suor feito vidro; as desmedidas horas de muitos homens musculosos e fracos, tolhidos pelas bridas feito potros. As vontades sob freio, e sem vendas, as pálidas feridas. A grande quietude se agita. Neste seio de paz se move e anda um grupo enorme que come seu pão untado de veneno. Eles dormem agora nesse informe leito, sem descansar. Se sonham, quase explode aqui o espírito inconforme que na dura aurora tragará seu cálice de sangue diário no barraco escuro, e a um rígido ritmo ajustará o passo. Oh punho forte, elementar e duro! Quem te manieta o aceno aberto? Ninguém responde nesse porto incerto. O farol grita s

Canção de mim mesmo

Walt Whitman Eu celebro a mim mesmo, E o que eu assumo você vai assumir, Pois cada átomo que pertence a mim pertence a [ você. Vadio e convido minha alma, Me deito e vadio à vontade .... observando uma [ lâmina de grama do verão. Casas e quartos se enchem de perfumes .... as [ estantes estão entulhadas de perfumes, Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o [ reconheço, Sua destilação poderia me intoxicar também, [ mas não deixo. A atmosfera não é nenhum perfume .... não tem [ gosto de destilação .... é inodoro, É pra minha boca apenas e pra sempre .... estou [ apaixonado por ela, Vou até a margem junto à mata sem disfarces e [ pelado, Louco pra que ela faça contato comigo. A fumaça de minha própria respiração, Ecos, ondulações, zunzuns e sussurros .... raiz [ de amaranto, fio de seda, forquilha e videira, Minha respiração minha inspiração .... a batida [ do meu coração .... p